Entre a falta de controle da turba e a ausência de responsabilidade da farda, o irracional tornou-se o ator principal do
espetáculo
transmitido ao vivo das ruas centrais de São Paulo para os lares de
todo país. Em meio à bruma do spray de pimenta, a euforia do
quebra-quebra misturava-se à excitação dos tiros de borracha. Os dois
lados pareciam ter ciência de que preparavam um
noticiário fantástico.
Era
como se ditassem para o William Bonner um par de destaques para a
escalada de manchetes do Jornal Nacional. Era como se redigissem a capa
dos jornais da manhã seguinte. Rodavam uma espécie de filme de ação sem
autor nem diretor. Depredavam e lançavam bombas de gás porque seguiam
orientações e cumpriam ordens. Orientações do Tinhoso, ordens do
Todo-Poderoso. E vice-versa.
Exceto pelos sublevados que não têm
cara de quem anda de ônibus, manifestantes e soldados formam uma
irmandade feita da mesma matéria prima. Não têm razão para sentir raiva
um do outro. Provavelmente moram nas mesmas submoradias, comem o mesmo
pão que Asmodeu amassou.
Suprema ironia: quando o prefeito era de
outro partido, o PT estimulava o Movimento Passe Livre.
Agora, o
prefeito é petista. Cúmplice nos reajustes, faz coro com o governador
tucano: não há como cancelar. E a turma que dirige o próprio carro se
horroriza com a revolta que um reajuste de R$ 0,20 pode causar. Que
horror, que horror!
Por sorte, a rebelião teve um desses momentos
que o doutor Luís Roberto Barroso, novo ministro do STF, chamaria de
ponto fora da curva. Protagonizou-o o policial militar Wanderlei Paulo
Vignoli. Montava guarda no prédio do Tribunal de Justiça de São Paulo
quando notou que um sujeito pichava o bem público. Tentou impedir.
Súbito, viu-se cercado por duas dezenas de manifestantes.
Apedrejado na testa, sangue a escorrer pelo rosto, recolheu os ruídos que soavam ao redor: “
Lincha,
lincha. Tira a arma dele. Mata!” Sacou o revólver que trazia na
cintura. Estava carregado com balas letais, não de borracha. Por que não
atirou? “Somos treinados para manter o autocontrole, só atirar no
limite. Entendi que, mesmo tendo sido atingido com pedradas, não era o
limite para usar arma de fogo.”
Vignoli anda de ônibus e de metrô.
Quando não está fardado, desembolsa a tarifa que passou de R$ 3,00 para
R$ 3,20. Informado de que os rebeldes pedem tarifa zero, o policial fez
cara de riso. “Eu também gostaria, né? Mas acho que nem os países de
Primeiro Mundo chegaram a esse patamar.”
Segurança do Tribunal de
Justiça, Vignoli conta que o prédio acaba de passar por uma restauração
milionária. “Eles têm que entender que esse dinheiro [para apagar a
pichação] vai sair do bolso da população.” A realidade brasileira por
vezes fica inacreditável. Mas quando se imagina que tudo está perdido, o
sujeito que segura o revólver demonstra que é possível ter razão
disparando apenas argumentos."
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